segunda-feira, 9 de maio de 2016

O estranho caso dos personagens que desapareciam da história

Subi os degraus dois a dois, um grande ramo de flores numa mão e um rasto de perfume a espalhar-se atrás de mim. Quando cheguei ao patamar do terceiro andar tirei a cartola, passei a mão pelo cabelo, e voltei a colocá-la, ajeitei o smoking, endireitei o laço e vi-me reflectido nos meus sapatos impecavelmente engraxados, depois respirei fundo e toquei finalmente à campainha. Esperei. Quando estava pronto a tocar segunda vez a porta abriu-se sem que houvesse alguém do outro lado para me saudar. Hesitei, claro, todos sabemos como os Ministros podem ser alvo de ataques perpetrados pelas mentes mais perversas, ainda assim e como homem corajoso que sou, entrei, pisando a alcatifa vermelho-sangue com passadas seguras. Segui por um longo corredor que desembocava numa sala ampla, rectangular, duas grandes janelas ao fundo e sentei-me numa cadeira que se encontrava no centro da sala. Estranhei aquele facto, como é evidente, afinal era suposto encontrar-me ali com uma admiradora que conheci na net, uma admiradora que se confessava loucamente apaixonada por mim e que me tinha enviado uma fotografia que provava como era bela; estranhei também que aquele telefone estivesse fora do descanso e que aquela voz falasse sem parar. Por momentos até pensei que fosse a Maria Alice, que me pediu insistentemente para cancelar este encontro, que era um logro, um embuste, mas eu percebi logo que aquilo eram os ciúmes dela a falar mais alto e não lhe dei ouvidos. Depois de muitos minutos sem nada acontecer, só um Ministro sexy sentado numa cadeira e uma voz a sair do auscultador, acabei por baixar a cabeça, apertando-a entre as mãos. Foi então que vi sair de uma pequena porta ao lado do piano um exército de gnomos assustadores, não que eu tivesse medo - nada disso! – mas depressa percebi que aquilo era gente duvidosa, perigosos esquerdalhas miniatura, de barba cerrada, camisola de gola alta preta e blazers de veludo cotelê amarrotados, e então, pressagiando uma situação menos clara, tirei imediatamente a minha varinha mágica de dentro da cartola e  disse com voz grossa enquanto lhes apontava a varinha: Saiam! Xôoo! É este o momento de abandonarem para sempre esta história! Mas as minhas personagens não saíam, eram teimosas e indisciplinadas e eu insisti, de varinha em riste, ameaçando-os, obedeçam-me imediatamente, olhem que eu sou uma pessoa importante, um figurão governamental! Mas a varinha parecia um comando de televisão sem pilhas, eu agitava-a, agitava-a, mas ela não me mudava o canal os gnomos cada vez mais perto e foi então que de modo totalmente inesperado fui atingido na nuca com um objecto contundente. 

Acordei muito tempo depois, amarrado e a ser arrastado ao longo do corredor para fora desta história, enquanto um fotógrafo falante saltitava em meu redor e me tirava retratos com uma máquina sem rolo, ameaçando-me com a divulgação das imagens e extorquindo-me a totalidade da subvenção anual do meu Ministério. Na sala ficou apenas a voz, falando ininterruptamente pelo telefone

4 comentários:

  1. Dilacera-me o coração dizer-lhe isto, Senhor Ministro, mas eu avisei-o, aquele encontro só podia ser um logro.

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  2. "afinal a gaja que eu conheci na net era um tarado"

    ahahahahahahahahahahah

    (não seria de Ermesinde?)

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  3. Sinto-a desorientada, Lady Kina, Passa-se alguma coisa?

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    Respostas
    1. ahahahahahahahahahahahahah

      pareço, não pareço, Maria Alice?

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